domingo, 1 de fevereiro de 2009

Absorta

Morrer é fácil, difícil é viver! Isso é um fato ao qual todos deveriam aceitar. O medo da morte é um dogma aceito por todos nós desde o momento em que nascemos até os últimos segundos de agonia nos pesarosos leitos da sombra que nos oprime por toda vida.
Muitos de nós temos por certo que esse será o momento mais difícil. Eu não. Creio que seja o momento mais fácil. Ele é sereno, triste e derradeiro. Depois dele, não nos preocuparemos mais com nada mesmo.
Difícil mesmo é viver, quando não se tem certeza do que é vida. Decisões, escolhas, que farão parte de todo o restante da vida, são muito mais pesarosas do que fechar os olhos para o descanso eterno.
Podem achar que este texto tem um ar fúnebre, porém não é essa a mais verdadeira das intenções por de trás dele, e sim apenas o sentimento que ele nos trás pela imposição de temer a escuridão eterna, que não deveria ser considerada assombrosa, por já termos passado pela claridade desenfreada e injusta, chamada vida.
Viver é difícil, escolher é mais ainda. E o pior de tudo é escolher na certeza do arrependimento tardio.

"Fui à floresta viver de livre vontade, para sugar o tutano da vida. Aniquilar tudo o que não era vida. Para, quando morrer, não descobrir que não vivi".
Henry David Thoreau


Ouvindo: Clair De Lune - Debussy


Um comentário:

  1. Interessante vc trazer essa temática à tona, estaria mentindo se não dissesse que é uma temática que muito me interessa também essa da morte. Não poderia me abster de deixar trazer mais coisas pra discutir nesse caso^^
    É interessante como a morte pode vir a ser sentida pelas pessoas: tanto como alívio do sofrimento que é a vida, como libertação das amarras que viver implica, quanto como um final inexorável mas que deve ser evitado a qualquer custo. Essa inversão possível das formas como a morte é sentida é uma ocorrencia de fato singular, como pode ela ser tanto motivo de desejo para alguns como motivo de desespero para outros? Ou mais singularmente ainda motivo de desepero e desejo para a mesma pessoa em momentos diferentes, ou ainda motivo de desejo e desespero para uma pessoa ao mesmo tempo. A unica coisa que é certa nessa história é que a morte não é algo indiferente para ninguém.
    A finitude e o conhecimento dela são caracteristicas constitutivas humanas. O ser humano é o unico animal que se sabe finito e mortal. Esse conhecimento causa toda uma série de efeitos no ser humano, inclusive tornar a própria morte desejável. Querer morrer é consequencia da morte ser inevitável e de existir implicar em limitações. É bem possível que alguém que pudesse viver para sempre nunca consiga ver a morte como algo desejável apesar de haver quem defenda o contrário. Mas é certo que visto que a finitude é uma caracteristica constitutiva do ser humano alguém que não morresse seria esencialmente diferente de nós e portanto ja não poderia ser mais cair sob a mesma classificação de humano.
    O proprio imperativo do carpe dien esta intrinsicamente ligado a finitude como inexorável. Aproveitar o dia ao máximo só é um imperativo porque nossos dias são limitados. Alguém que não pudesse morrer talvez não tivesse essa preocupação.
    Mas enfim daí a dizer se morrer ou matar-se é um ato nobre ou se viver é onde se localiza a verdadeira nobreza é uma questão que eu gostaria de responder trazendo um poema. É um dos meus favoritos, é um que o Fernando Pessoa escreveu como Alvaro de Campos. trago ele a seguir:

    Se te Queres

    Se te queres matar, por que não te queres matar?
    Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
    Se ousasse matar-me, também me mataria...
    Ah, se ousares, ousa!
    De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
    A que chamamos o mundo?
    A cinematografia das horas representadas
    Por atores de convenções e poses determinadas,
    O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
    De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
    Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
    Talvez, acabando, comeces...
    E, de qualquer forma, se te cansa seres,
    Ah, cansa-te nobremente,
    E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
    Não saúdes como eu a morte em literatura!

    Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
    Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
    Sem ti correrá tudo sem ti.
    Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
    Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

    A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
    De que te chorem?
    Descansa: pouco te chorarão...
    O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
    Quando não são de coisas nossas,
    Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
    Porque é coisa depois da qual nada acontece aos outros...

    Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
    Do mistério e da falta da tua vida falada...
    Depois o horror do caixão visível e material,
    E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
    Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
    Lamentando a pena de teres morrido,
    E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
    Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
    Muito mais morto aqui que calculas,
    Mesmo que estejas muito mais vivo além...
    Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
    E depois o princípio da morte da tua memória.
    Há primeiro em todos um alívio
    Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
    Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
    E a vida de todos os dias retoma o seu dia...

    Depois, lentamente esqueceste.
    Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
    Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
    Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
    Duas vezes no ano pensam em ti.
    Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
    E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

    Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
    Se queres matar-te, mata-te...
    Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência! ...
    Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?

    Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
    As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?

    Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
    Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
    Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?

    És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
    És tudo para ti, porque para ti és o universo,
    E o próprio universo e os outros
    Satélites da tua subjetividade objetiva.
    És importante para ti porque só tu és importante para ti.
    E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

    Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
    Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
    Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

    Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
    Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente,
    Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
    Dispersa-te, sistema físico-químico
    De células noturnamente conscientes
    Pela noturna consciência da inconsciência dos corpos,
    Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
    Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
    Pela névoa atômica das coisas,
    Pelas paredes turbihonantes
    Do vácuo dinâmico do mundo...

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